quarta-feira, 9 de junho de 2010

O impacto

Aterro no aeroporto de Istambul sem saber muito bem o que vou encontrar. Na porta de saída dos passageiros uma multidão de homens empunhando folhas A4 com nomes de pessoas ou grupos. Um deles há-de ser o meu... Aos poucos vão chegando mais algumas pessoas que pertencem ao meu grupo, e alguém que não faz parte mas que reconheço não sei de onde. Ele explica. Escreveu o artigo da I. que eu tinha lido sobre a cidade, e vem acompanhar outro grupo para uma visita numa vertente mais literária. Provavelmente pelo que aconteceu na terça feira , sente-se a presença de muita polícia na rua. O percurso do transfer até ao hotel é feito a ouvi-lo contar um pouco sobre os sítios por onde vamos passando, e a tentar tirar algumas fotos (tarefa impossível, o que dizem sobre a condução dos turcos é verdade: alucinante, ou melhor, alucinada). Só começo a apreciar o espaço envolvente quando chego ao hotel, em pleno bairro de Sultanahmet,


onde cada porta pertence a um hotel ou restaurante ou loja de artigos coloridos, sejam eles tapetes, pashmiras ou loiças ricamente pintadas.


Teoricamente o roteiro organizado começa amanhã, mas o nosso líder já está à nossa espera e acordamos jantar todos juntos. Descemos a pé pelas ruas estreitas, com os carros e o metro de superfície a fazerem razias aos nossos cotovelos, estancamos hipnotizados em frente a uma das muitas montras de doces com um aspecto divinal,

continuamos até Sirkeci, na margem do Bósforo , e entramos na estação de comboios, palco da chegada do mítico Expresso do Oriente nos tempos áureos. Na Gare vazia àquela hora, enquanto cada um procura o melhor ângulo para fotografar, começo a ouvir uma música familiar. Yann Tiersen. Naquele momento não podia desejar mais nada.


Ouvimos pela primeira vez o canto dos Muezzin , um som que nos vai acompanhar todos os dias, várias vezes ao dia, ampliado pelos altifalantes que vão correndo de mesquita em mesquita, numa espécie de lamento que invade todos os espaços.


Atravessamos a ponte sobre o Corno de Ouro ao som da animação que vem de baixo, das mesas cheias das esplanadas, numa noite que convidava a aproveitar o estreito e a movimentação das ruas.

Captamos a imagem tão típica dos pescadores que ocupam com as suas canas toda a extensão da ponte. As duas margens estão salpicadas de carrinhos de comida: maçarocas de milho assado,
peixe frito (que costuma ser servido num pão, tipo bifana), frutas e bebidas frescas.

Jantamos na Galata Evi , uma antiga prisão restaurada, com histórias gravadas nas paredes e na memória dos donos, ambos com uma vida cheia para contar. Enquanto acabo uma imensa fatia de bolo de chocolate com cobertura de natas, ouvimos algumas dessas histórias, ela refugiada de guerra, ele nascido naquele mesmo bairro. Como som ambiente, uma gravação da senhora a cantar e a tocar piano (fez-me lembrar o Alô Alô mas um pouco mais afinado).


Regressamos a pé, depois da meia-noite, e somos confrontados com outra perspectiva da cidade: as ruas escuras e desertas, os condutores ainda mais alucinados (respeito pelos peões... não existe), lixo por todo o lado, nenhuma mulher na rua. Mas tudo isto não choca ou repugna, é só mais um dos contrastes que vão invadir os próximos dias, e mostrar que é possível conviver pacificamente com esta miscelânea de culturas e histórias.

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