domingo, 25 de fevereiro de 2018

O meu presente

Queria mimar-me. Pegar em Peter Pan e ir para a praia. Um fim de semana só para nós. Escolhi Peniche porque foi dos poucos hotéis onde aceitam crianças na piscina interior, sem reservas. E a decoração é a minha cara. O lobby é um sonho. E podia ficar a morar naquele quarto para sempre. Clean, branco a perder de vista, com apontamentos de mar. Assim que chegámos, fomos mergulhar. Famílias inteiras com os putos, com bóias e braçadeiras. Pouco SPA mas tanta animação. Peter Pan feliz, tão feliz. Experimentámos o banho turco e a sauna, uns minutos só para ele ver como era. E delirou com o jacuzzi. Mais mergulhos, e depois diz-me que quer voltar para o quarto. Para ficar espojado na cama a ver bonecos. E para fazermos lutas de almofadas até à hora do jantar. Nem sequer quis sair para ir brincar na praia. Saímos para jantar e Peter Pan acha imensa piada à voz da senhora do GPS. Demoramos 3 minutos a chegar ao restaurante, jantamos com toda a calma, e bebo café já com o texugo aninhado no meu colo, quase a fechar os olhos. Voltamos para o hotel para nos enroscarmos na cama, os dois, a ver uns minutos de desenhos animados, até sentir a respiração pesada dele, encostado ao meu peito, a dormir profundamente.
Não dormi nada de jeito mas a culpa não foi da cama confortável, e Peter Pan não ajudou, ao acordar às sete e meia da manhã a dizer que queria comer bacon e ovos ao pequeno almoço. Comeu sim, mas só metade, depois acabou nos seus fiéis cereais com leite, antes de ir aviar quatro mini donuts, que ía buscar sorrateiro à mesa dos bolos. Voltámos para o quarto e passámos a manhã a brincar com as dezenas de carrinhos que ele tinha trazido. Saímos para ir ter com o L. que veio almoçar connosco, fomos finalmente à praia, e Peter Pan descobriu a adrenalina de descer dunas... foi a loucura... um sobe e desce incessante, querer jogar às escondidas nas dunas, cavar buracos à beirinha da água, encher-se de areia até ao tutano e fugir das ondas com gargalhadas de encher a alma. Depois do almoço a sugestão de ir a Óbidos, chocolate por todos os cantos, muita gente mas espaço para passear, encher mais os olhos que a barriga com todos os pormenores deliciosos, e terminar a tarde num canto despercebido dos turistas, com mesas de madeira, pão caseiro, queijo e chouriço assado, e a alegria de Peter Pan a jogar às escondidas pelos cantos.

























sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Para o bem e para o mal...



"Os 40 anos são uma idade terrível.
É a idade em que nos tornamos naquilo que somos."

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Guardar as memórias

As viagens intermináveis de nacional, carro atafulhado até ao teto e as músicas do Paco Bandeira e da Cesária Évora no leitor de cassetes. As paragens obrigatórias no restaurante que só servia canja e frango assado, e no café das sandes de leitão. E outras tantas para o meu irmão vomitar, e para lancharmos tudo o que a minha mãe se lembrava de trazer. O fascínio de entrar na casa da minha avó, subir as ingremes escadas de pedra, e ir roubar bolachas ao pote da bancada da cozinha, que ela fazia questão de ter sempre abastecido. O cheiro dos chouriços e murcelas pendurados do teto, por cima da lareira acesa. O frio da adega que era o orgulho do meu avô. As mulheres a lavarem a roupa na ribeira, e a estenderem-na a secar nas pedras lisas das margens. A alegria de rever os primos que só saiam lá de casa à noite, para irem dormir. A liberdade de brincar nos campos sem regras nem medos nem horários, a não ser os das refeições. A chave de casa sempre colocada do lado de fora da porta de entrada. Acreditar que quem vem, vem sempre por bem. Sermos mimados até à exaustão pela família toda, numa sensação que só tem quem sabe o que são as saudades. Sentir-me ainda mais mimada, porque durante quase dez anos fui a única menina no meio dos cinco primos. As sandes de queijo da Serra e presunto aos domingos de manhã, no mercado de Gouveia. Ver o meu pai a escolher cada queijo com cuidado e sabedoria, para trazer para Lisboa um pouco da sua terra. A noite em que o meu irmão, acabado de sair do banho, pijama vestido e cabelo ainda molhado, a brincar às escondidas, achou que o sítio ideal para ninguém o encontrar era dentro da lareira... A mesa sempre posta com pão e vinho e sumos e queijo e chouriço. Tal como as mesas de todas as casas que visitávamos, de tios e primos e tios de primos, numa romaria que não tinha fim, de querer rever todos. As bôlas de carne e os folares de Páscoa que a minha avó fazia e ía coser ao forno comunitário. A boneca de trapos matrafona enorme que o padrinho me ofereceu, e que decorou a minha cama até ao último dia. Irmos com o meu pai escolher e cortar o pinheiro de Natal (sim, natural e contra todos os preceitos ambientalistas) e apanhar musgo para fazermos o presépio ao lado da lareira sempre acesa. Passar tardes a apanhar pinhas e bater-lhes com uma pedra para soltar os pinhões, que comíamos logo ali (mesmo os que caíam para o chão). As vindimas que fazíamos sem esforço, na brincadeira; a apanha da azeitona que odiávamos por ser em pleno Inverno gelado. A excitação histérica de brincar na neve. Fazer bonecos de neve e batalhas de bolas de neve. Voltar para casa encharcados (cheguei a apanhar queimaduras na pele, do gelo) mas a rebentar de emoção. Ir ao café da aldeia e fazer disso um acontecimento. Comer três gelados por dia porque ali o meu pai nos fazia as vontades todas. Os dias passados na Barragem, à sombra das árvores e dentro de água. O dia em que fui apanhada por uma corrente subterrânea, devia ter seis anos, não sabia nadar bem, e a minha mãe se atirou à água para me agarrar. Mesmo ela não sabendo nadar. Ir à missa do Galo e ficar a ver o madeiro de Natal a arder. Acordar com o som dos badalos das ovelhas e as vozes dos pastores. O pão fresco com requeijão todas as manhãs. O cabrito assado no forno a lenha que o meu pai insistiu em comprar para a cozinha. O manto amarelo das mimosas em flor. A dimensão desmedida da Serra aos nossos olhos pequenos, as paisagens a perder de vista, áridas no Verão e nevadas no Inverno. Mas sempre magestosas. O som das cigarras nas noites quentes de Verão, quando me sentava em silêncio ao lado do meu pai na varanda grande, depois do jantar. Sei que essas noites foram das mais felizes da vida dele. Sei que a minha infância foi profundamente mais feliz por todas as férias passadas naquela casa. Verões intermináveis e Natais aconchegantes. Um sentido de família alargada e de pertença, de hospitalidade e comunidade.
Hoje a casa que mais marcou a minha infância deixou de me pertencer, num misto de alívio e saudades de um tempo que teve o seu tempo. Desejei aos novos donos, sinceramente e a conter as lágrimas, que sejam tão felizes nela como eu fui. E guardo com um sorriso as memórias que tenho a imensa sorte e privilégio de ter vivido.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018