Imaginei aquele momento de todas as formas possíveis. Idealizei o que iria sentir, o que iria dizer, o arrepio na pele, o brilho nos olhos. Planeei que, se soubesse antes dele, comprava umas botinhas de lã, daquelas minúsculas, punha dentro de uma caixa de bolos, e oferecia-lhe. Ou então escrevia uma declaração do género “Eu, ……… portador do BI nº……… morador na Rua……….., prometo aprender a amar-te incondicionalmente, prometo educar-te nos princípios de justiça, igualdade e respeito pelos outros e pela Natureza, prometo proteger-te e dar-te colo e fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que as tuas lágrimas sejam ínfimas comparadas com os teus sorrisos de felicidade.
Ass. PAI.”, e dava-lhe para ele assinar, sem dizer uma palavra.
Como quase tudo o que é demasiado planeado ou pensado ou desejado, não aconteceu nada assim. Fui tirar sangue de manhã (desta vez já não arrisquei, fui a uma clínica de análises diferente, a outra só me deu desgostos) e a senhora simpática da recepção disse-me que podia telefonar à tarde para saber o resultado, ou levantar na 5ª feira por causa do feriado. Cara de pânico, como é que eu resolvo isto, “sabe é que eu queria esperar pelo meu marido para vermos o resultado os dois, para o bom ou para o mau gostava que ele estivesse ao meu lado”, “então pode ir à nossa sede buscar o envelope”, e à tarde lá fui eu, deixei o carro numa ponta da cidade (a que ficava mais perto da clínica, achava eu) e atravessei as ruas todas até à outra ponta, a pé (maldita falta de orientação, era só estacionar no parque da rotunda e subir um bocadinho…), cheguei em cima da hora do fecho, esbarrei com a senhora da limpeza, e ao balcão lá estava a mesma senhora que me tinha atendido de manhã. O meu envelope não estava no molho que ela tinha bem arrumado à sua frente. Estava de lado, sozinho, à minha espera. E aberto. Era só espreitar. Não o fiz. Escondi-o no fundo da mala. Já tínhamos decidido que só o abríamos depois do jantar do R., um tipo que eu só vi uma vez na vida mas que convidou o Politécnico inteiro para festejar o aniversário. Resultado, vi-me no meio de uma festa académica, completamente deslocada, a jantar às 10 da noite, com frio, sem alcoól e quase sem tímpanos por causa da gritaria do “Bota abaixo”. Também eu já achei piada àquilo tudo… há 10 anos atrás…
Fugimos dali o mais depressa possível e fomos para casa do C. e da C. ver um filme. Indecisos entre o Como treinares o teu dragão (eu não me importava de o ver outra vez) e Um homem exemplar, votámos no segundo, é um bom filme, sim senhor, com uma história que nos mantém atentos e actores de excelência, mas para quem estava a pensar numa coisa calminha com dragões fofinhos, ninguém nos avisou que íamos dar uns saltos no sofá, e fechar os olhos nalgumas cenas mais puxadas (eu fechava e ele dava-me um toque quando já tinha passado o sangue e as agulhas).
Com isto tudo, já passava da uma e meia da manhã quando nos sentámos no sofá, lado a lado, com o envelope nas mãos. São 1 e 52 da manhã. Respirar fundo, e abrir a carta num rompante, sem anestesia, sem hesitações.
31.11.
Ler as instruções dos valores de referência para acreditar.
“Não grávidas <5…
3ª semana – 9 – 170…”
31.11.
Os olhos dele esbugalhados, incrédulos “isso quer dizer que estás grávida?”
Sim. Sim. Sim.
Ele abraça-me e finalmente cai-me a ficha, é verdade, é mesmo, é positivo, e quando as lágrimas saltam e começo a soluçar a única frase que lhe sai da boca é “não te abanes muito!!”
E assim ficámos, e assim continuamos, com um sorriso estúpido de felicidade na cara. Sinto-me a flutuar. Ele diz que se sente mais leve, como se lhe tivessem tirado um peso enorme de cima dos ombros.
Também sempre pensei que ía saber que estava grávida ainda antes do teste, que ía sentir qualquer coisa, uma certeza que me ía fazer andar uns dias com aquele sorriso enigmático de Mona Lisa, até ter a confirmação daquilo que eu já sabia ser verdade. É tanga. Não senti nada. Na verdade não sinto nada. Quer dizer, tenho alguns sintomas leves, iguais aos tratamentos anteriores, por isso não lhes dei muita importância, e fora o sorriso parvo que não larga a minha cara, estou exactamente na mesma.
Só eu sei que dentro de mim cresce uma Miniatura do tamanho de um ponto final.
O nosso filho.
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