A concentração ainda não quer trabalhar, dou voltas e voltas à base de dados que é suposto dar-me milhares de euros quando eu me dignar a usar o meu melhor francês, mas a vontade é nula, não me apetece fazer conversa de circunstância, não me apetece fingir que estou alegre e contente ao telefone e bajular uma cambada de marroquinos com nomes impronunciáveis.
Em vez disso perco-me na janela clandestinamente refundida no canto do ecrã, numa vida onde nada de extraordinário acontece ("É a cidade, T, a cidade dói-me menos com a banda sonora certa."), e vou-me lembrando de pormenores que me escaparam na altura, nestes últimos dias que estouraram com as minhas reservas de energia e ânimo (que já ando a repôr, a bateria está quase carregada a 100%):
A retrosaria onde encontrei as pegas para as malas que já procurava há duas semanas, duas malas lindas que tinha pena de deitar fora só porque as alças se estavam a desfazer de tanto uso (e de tão carregadas, eu trago um mundo dentro da mala, sempre, e é um mundo pesado), e completamente do nada e a despropósito, depois de sair da Loja do Cidadão onde demos início à odisseia que é a habilitação de herdeiros, o meu puto mais novo pára num multibanco para levantar dinheiro, e logo ao lado, uma retrosaria, moderna sim, mas cheia de mil e uma cores e texturas, e no meio de lãs e fitas e botões e contas de vidro, os dois pares de alças que deram nova vida às minhas adoradas malas, que assim podem cumprir o seu destino de carregar o meu mundo para todo o lado (pelo menos por mais um ano ou dois).
A casa cheia de gente, nove pessoas à mesa do jantar (e duas cadelas, não me posso esquecer das bichezas, a da minha mãe, velhota e mimada até à exaustão, com um manto de pêlo liso cor de mel até ao chão, e a da minha avó, cachorra ainda, minúscula sem pêlo e de olhos esbugalhados) no dia em que descemos a serra, e oito no almoço do dia seguinte, as mesmas oito que dormiram por estas divisões, que encheram a casa com risos, sim, risos ora nervosos ora sentidos, e com boas memórias e planos para o futuro.
O saco cheio de lãs que devolvi à minha mãe, para a entreter, pu-la também a fazer quadrados atrás de quadrados de lã de todas as cores, que mais tarde serão uma manta quentinha, mais uma para puxar nas tardes de Inverno em frente à lareira acesa, enquanto me aconchego para dormitar no sofá.
O silêncio depois da minha família voltar para casa, o silêncio que me fez sentir que estava "em casa", segura e serena.
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