quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Sentir o silêncio

O regresso às aulas é a sério. De manhã ouvimos a algazarra dos putos no pátio do liceu. À noite partilho a casa com o silêncio. Está na altura de começar a ver filmes uns atrás dos outros. E a fazer um esforço titânico por jantar sozinha (por jantar, ponto). Comecemos por Letters to Juliet (boooooring, even to me) e Cairo Time (much much better). E uma lata (inteira) de cajus com sal (às 10 da noite tive um rebate de consciência e fui fazer salada de massa com atum).
As minhas noites vão ser assim nos próximos tempos, mais vale habituar-me, abraçar esta calma forçada mas não indesejável de todo, aprender a ocupar as horas de novo, sem braços para me consolar ou ouvidos para me entender. Habituar-me a estar sozinha. Acaba por ser também uma forma de auto-conhecimento, e este ano tenho uma segurança que não tinha nos anteriores: tenho família a quem posso recorrer a qualquer hora, se me apetecer dois dedos de conversa ou companhia para um cigarro, basta-me descer a rua e tocar à campainha do meu irmão, logo no hall de entrada receberei um sorriso e um beijo fofo do D., e dentro de poucos meses poderei ir lá só para cheirar uma pele macia de bebé. E por agora essa certeza basta-me, não preciso de mais nada.
Ouvi-o falar deste ano que agora começa com um entusiasmo imenso. Provocou-me um misto de orgulho e medo. Orgulho pelo meu puto grande que se dedica de corpo e alma aquilo em que acredita, medo por tudo o resto. Mas o tudo o resto vai sendo relegado para segundo plano, como uma mulher cega de paixão que arranja sempre desculpa para as faltas e falhas do amor da sua vida, até um dia descobrir que de amor já não tem nada. Entretanto os rascunhos vão aumentando (já são 37), de um percurso que se faz passo a passo, também ele metódico, também ele persistente. Não me considero supersticiosa (senão nunca mais punha os pés na clínica de análises que me tem dado as piores notícias dos últimos tempos, ainda por cima tenho pelo menos três na minha cidade, mas não, eu gosto é daquela, e prefiro pegar no carro - tadinho, dei cabo dele, ainda está na oficina, não faz mal, é da maneira que não conduzo, menos esforço, não quer dizer que faça alguma diferença, mas... - e fazer os quilómetros que me separam daquele espaço onde respiro profissionalismo e segurança, apesar de os resultados serem sempre uma miséria) mas aquela cena de "as melhores coisas acontecem quando não falas sobre elas" anda-me aqui a corroer há algum tempo, e se já experimentei da outra forma e não resultou, porque não fazer ao contrário? Estou a fazer batota, é certo, porque escrever eu escrevo, nas datas certas, com factos e pormenores, só não carrego no botão laranja que diz Publicar Mensagem. Por bem nem devia escrever, mas e se depois quero rever o que aconteceu? Como me senti? O que é preciso para conseguir um pequeno (grande, imenso) milagre? Ou lembrar-me de onde veio a força para continuar?
Ainda está muito calor para trabalhar com lãs, mas lá voltarei em breve para mais uma manta de quadrados, ainda não comprei nenhuma peça de roupa (ou sapatos, não tenho onde os pôr, é uma tristeza...) para a "nova estação", mas já encomendei uma alcofa para a pequena índia (nada de cor de rosa nem vermelho), e até já falamos em trazer lenha da avó R. aos poucos, para não doer tanto a carregar com ela até ao sotão no 4º andar. Ao contrário de meio mundo ainda não tenho saudades de vestir camisolas grossas e acender a lareira, eu devia ter nascido num país tropical ou numa ilha do Pacífico, a minha cegonha devia ter um sentido de orientação tão bom como o meu e aterrou aqui (não ter ido parar à Gronelândia foi uma sorte), mas o silêncio da casa já anuncia a chegada do frio e da chuva.

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