Luanda estava gravada na minha memória desde que tenho memórias. A Luanda (e Malange) que enchia os relatos de vida do meu pai, lá emigrado durante 11 anos. A terra vermelha, as mamas com os alguidares à cabeça e os filhos nas costas, os embondeiros e o símbolo da TAG, a cabeça da palanca negra que decorava as etiquetas de bagagem que marcavam cada regresso.
Hoje, passados vinte e dois anos, vi tudo o que tinha guardado em histórias contadas, e muito mais. Porque de certeza que ele não ía reconhecer a cidade que se espalha à minha frente da janela ampla do quarto no nono andar. Sem o som dos tiros, mas ainda ensombrada por fantasmas do passado.
Não sei se gosto desta Angola. Passei o dia todo a tentar perceber o que sinto aqui, mas ainda não consegui. Tento ter uma mente humilde e aberta para uma realidade que me é totalmente estranha, mas é complicado gerir a visão dos meninos a brincar nas ruas imundas do musseque (quase podiam ser esteiros...).
Os contrastes são gritantes e pouco harmoniosos, é uma cidade caótica (o trânsito é qualquer coisa de surreal) onde coexistem de forma nada pacífica as barracas improvisadas com os empreendimentos imobiliários megalómanos, e as gruas que rasgam o céu como tesouras afiadas não deixam dúvidas sobre a construção desenfreada que está a acontecer.
É claro que foi a primeira impressão, tirada pelo vidro da janela do transfer que nos encaminhou por ruas esburacadas e avenidas sem fim (onde se andam quilómetros antes de haver uma saída que nos permita mudar de direcção). Mas foi uma primeira impressão muito forte...
(Hoje lembrei-te em cada olhar)
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