terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Sem anestesia

Estava aqui a magicar um post sobre as conversas telefónicas com a mãe, são uma comédia e uma tragédia grega, falamos pelo menos dia sim dia não, hoje já lhe liguei duas vezes, ouço-lhe tudo o que não conta a mais ninguém, faço-a rir e amparo-lhe o choro, a última conversa foi sobre a crise, e uns comprimidos que ela toma, que custavam 2 euros e tal e passaram para 10 euros, "isto está tudo pela hora da morte, filha", mas a preocupação maior nem é isso, não é o medicamento dela ter encarecido, mas o facto de os medicamentos em geral estarem mais caros, "e as pessoas que têm uma reforma pequena, como é que elas aguentam? Se calhar deixam de comprar os remédios que precisam", isto é a minha mãe no seu melhor, a alma mais caridosa (e ingénua) que conheço, capaz de chorar baba e ranho com as desgraças vomitadas pelo telejornal, incapaz de ficar indiferente ao sofrimento alheio, seja de uma pessoa com um pé inchado ou de uma planta murcha.

Mas depois o N. liga a dizer que "a baby vai ficar internada, deve ser uma bronqueolite mas vão fazer mais exames" e a voz embarga-se-lhe, contém o choro "tem dois tubos enfiados pelas narinas" e isto é ser pai, descobriste agora, não foi?, a dor da impotência, os ouvidos a sangrarem com o som do choro de um filho, não consigo imaginar a tua angústia, estou tão longe, queria estar ao pé de ti para te dar a mão, não sei se ajudava mas dava-te a mão à mesma, apertava-a com força e dizia-te com os olhos que vai correr tudo bem; mas sinto-me inútil aqui neste canto, só posso esconder-te a revolta na voz, foda-se ela só tem 20 dias, devia estar em casa aninhada nos braços da mãe e a ouvir as baboseiras do pai, isto não, isto não devia acontecer.

Sem comentários:

Enviar um comentário