A A. abre um pacote de bolachas waffles e o cheiro leva-me para um beco sem saída nas traseiras de uns prédios sem alma, carros estacionados selvaticamente, portas abertas de armazéns decrépitos e a entrada escura e estreita para uma escada íngreme que descia (desce) para o interior do primeiro centro comercial da zona, um espanto com 20 lojas e uma sala de cinema. E aí, numa das portas entreabertas de negócios em decadência, a fábrica de bolachas mais maravilhosa, o cheiro doce e cremoso que se adivinhava na rua e nos guiava até à entrada, as embalagens coloridas que contrastavam com o cinzento das paredes, os sacos de plástico transparente cheios de bolachas tortas ou partidas, recusadas pelo controlo de qualidade, só por serem feias e não terem a forma correcta, mas igualmente saborosas, quantas vezes até mais carregadas de recheio do que as outras, as perfeitas, embaladas em papel brilhante colorido.
Ali, na fábrica de bolachas do beco atrás do Kaué, comprávamos sacos e sacos de bolachas a 100 escudos, ou a 150 escudos se fossem das minhas preferidas, as waffles quadradas com recheio de baunilha e cobertura de chocolate, que eu abria cuidadosamente para lamber o recheio branco, e depois molhava no leite, muitos anos antes de a Oreo vir fazer anúncios a ensinar como é que se come bolachas.
É claro que a fábrica já não existe, eu sabia, mas telefonei à mãe só para ter a certeza, ela confirma que sim, que fechou há anos, depois diz-me “deixa estar filha, nós vamos ao supermercado e compramos outras”, e eu respondo que não é a mesma coisa, não têm o mesmo sabor. São demasiado perfeitas.
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