quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Voltar (III)

A culpa é da garrafa de tinto Terras do Sudão Reserva 2001 que estourámos ao jantar, no sítio do costume, onde o levei para quebrar dois dias a canja e febre e todos os outros sintomas de uma carrada de nervos que têm de sair por algum lado. Já começava a ficar preocupada, e assim que entrei fiz queixinhas ao J. "olha que ele não anda a comer nada há dois dias", e o J. tratou de nós, como sempre. E escolheu o vinho, e deixou-nos à vontade "eu quero isso tudo comido!", grande e redondo no seu fato de cozinheiro.
E talvez por isso eu decidi fazer um exercício de quase-catarse, daqueles que já não faço aqui há muito tempo, escrever, escrever sem filtros, sem auto-censura, dar de mim sem me importar com quem vai ler. Não o tenho feito por duas razões.
A primeira e principal, pelo respeito que lhe tenho, pela salvaguarda de uma dor que (felizmente, ainda) não conheço, e que ele já experimentou duas vezes. Não é justo, e só posso tentar minimizar os danos, dar-lhe o apoio que ele precisa para seguir de cabeça erguida, e muitas vezes (quase sempre) isso passa por não fazer nada, não dizer nada, deixá-lo sozinho num mundo onde eu não entro, um jardim que me está proibido até novas ordens, mas eu compreendo que tenha de ser assim, e respeito essa decisão. E depois, aos poucos, ele vai saindo do canto onde se sente seguro, e volta para mim, e eu volto a sentir na pele os gestos sem os quais não vivo: um beijo na testa quando acabamos de fumar um cigarro à janela, uma festa nas costas quando nos sentamos para jantar... e percebo nos pequenos sinais que tudo vai ficar bem, demore o tempo que demorar. Cada vez me convenço mais que sou carinho-dependente, preciso de contacto humano, de sentir na pele a afeição e ternura de quem amo. E já estava a ressacar, apesar de não o dizer ou demonstrar (não tinha esse direito). Mas aos poucos ele vai voltando para mim, e eu não sei se foi alguma das resoluções que tomou no fim de semana passado, quando disse que ía fazer uma introspecção e tomar decisões sobre as mudanças que devia fazer na vida dele. Não sei se alguma dessas decisões tinha a ver connosco, e sinceramente agora não interessa. Tenho-o aqui ao meu lado, a ver um filme, enquanto oiço o silvo insistente e quase assustador do vento a bater nas janelas. E isso chega-me.
A segunda razão tem a ver com a minha (única) resolução para este novo ano, tomada ainda em Dezembro. Não me deixar consumir pela tristeza. Não escrever sobre a tristeza, a revolta, a decepção. Porque a tristeza é uma bola de neve que se alimenta de si própria, cresce e cresce e vai abarcando tudo à sua volta. E não quero isso para mim. É tão fácil vir para aqui carpir as mágoas todas, dizer que sou uma coitadinha e que não tenho sorte nenhuma. É muito mais difícil erguer a cabeça e enfrentar, não me deixar dominar nem abater, cultivar um espírito de serenidade perante as adversidades e de alegria pelas pequenas conquistas de cada dia. Haverá momentos em que só me apetece chorar, claro que sim, mas terão a importância que eu lhes quiser dar, e serão como estes dias cinzentos e frios de chuva tocada a vento, que só servem para apreciar com mais deleite os dias coloridos e calorosos que virão.

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