sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Um dia extraordinariamente normal (tarde)

Nos dias em que vamos buscar Peter Pan mais cedo à ama, ele já sabe que dali vai para a piscina, sabe o percurso que fazemos de carro e antes da rotunda já está a dizer "tutu" porque sabe que vai ver o comboio, e mais à frente aponta para o parque dos autocarros e diz "tantos". Nos outros dias sabe que vamos buscá-lo depois da mãe da I., e quando a campainha toda ele pergunta à Tina "é a minha mãe?".
Páro o carro ao pé de casa, dou-lhe a mão, atravessamos a estrada na passadeira, e vamos muito devagar comprar pão ao café da rua do lado. Passamos pela peixaria "aqui é pêxe", pelo talho "aqui é cáne", pela farmácia onde ele tenta entrar quase sempre, pelo cabeleireiro onde pára estarrecido a olhar pela montra para as pessoas lá dentro "aqui é meninas". Entra no café todo inchado e vai direto ao balcão, mas fica a olhar para a senhora com olhos de Gato das Botas envergonhado. Ela dá-lhe uma bola caseira que ele agarra com as duas mãos e começa a comer logo até ficar com a cara cheia de farinha branca. Seguimos devagarinho até à "fruta" onde ele já sabe que vai receber um caramelo do frasco que está no canto do balcão. Escolho duas ou três peças de fruta ou legumes, não preciso de mais porque amanhã voltamos.
Regressamos a ritmo de passeio, olhando para as montras todas, vemos os carros a passar e as pessoas que se cruzam connosco. Peter Pan pára para olhar para céu e ver os pássaros, ou para apontar as luzes "tá curo, é nôte" e eu não o apresso, este é o tempo dele, o tempo nosso. Entramos em casa e ele pede a chucha (estamos em processo de negociações complexas para tirá-la durante o dia...) e novamente "Remímu", deixo-o vidrado a ver um episódio enquanto arrumo as compras e fumo um cigarro (o meu terminar de dia), volto para o sofá e ele aninha-se no meu colo, dedo enfiado nos meus lábios e olhos pregados na televisão, e assim ficamos enroscados durante uma boa meia hora, até ele se começar a fartar e ir andar de carrinho, ou espalhar todas as almofadas no chão para saltar do sofá para cima delas, ou fazer gracinhas para chamar a atenção e lhe fazermos cócegas.

(Não é preciso nenhum relógio para saber que casa, a nossa casa, é sinónimo de mimo, muito mimo).

Sem comentários:

Enviar um comentário