Estava a ler este post sobre "voltar aos lugares onde fomos felizes" com um aperto no peito porque este sábado vou voltar a um dos lugares onde fui muito feliz, durante muitos anos. A casa da Serra, a casa que o meu pai foi construindo durante anos, projecto de emigrante que sonhava passar ali a sua velhice, na companhia da mulher, quando os filhos já fossem adultos e viessem visitá-los com os netos, a mesa sempre posta com petiscos e as noites na varanda grande a ouvir as cigarras e as rãs da ribeira (e vem daí, dessas noites quentes de verão, o meu amor por alpendres...). Foram assim os meus Natais e as férias de Verão que duravam um mês inteiro (o tempo exacto que ele passava em Portugal, duas vezes por ano, numa altura em que Angola ainda não era o destino de luxo - ou desespero - mas sim um país em guerra para onde a minha mãe se recusou a levar os filhos). Rodeados de primos e tios, de comida caseira, de jantaradas e passeios. De mergulhos na lagoa e brincadeiras na neve. Fui genuinamente feliz nessa imensidão de liberdade e despreocupação de uma infância que me deixou memórias tão queridas que agora doem.
Dói-me saber que este sábado vou encerrar um ciclo da minha vida, vou fechar para sempre uma porta e tudo o que ela significou: uma infância feliz, uma família unida, o sonho dos meus pais. Que nunca chegaram a morar na casa que vou esvaziar para pôr à venda. É isso que me dói, não o desfazer-me de um objecto, por mais que os meus pais tenham trabalhado para o ter e por mais orgulho que tivessem dele. Mas o saber que eles não cumpriram este sonho e imaginar todos os outros que ficaram por realizar. É dar-me conta que Peter Pan nunca se vai lembrar daquela casa, daquele lugar que sería enorme aos seus olhos de menino, nunca vai passar uma manhã a apanhar musgo para o presépio, nem fazer corridas no corredor dos quartos, ou fazer torradas no lume da lareira. Não vai comer bolas de carne e de bacalhau feitas pela minha avó no forno a lenha, deitar-se no chão da varanda grande a olhar para as estrelas e a ouvir o coaxar das rãs, ou ver o madeiro de Natal a arder no adro da igreja. Não vai receber o folar da Páscoa nem jogar às escondidas com os primos todos, ou apanhar pinhas e bater-lhes com uma pedra para comer os pinhões. Dói-me saber que não lhe vou poder dar estas memórias adoráveis que marcaram a minha infância e adolescência.
E acima de tudo, dói-me saber que ele não se vai lembrar dos avós.
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