sábado, 8 de novembro de 2014

Um dia extraordinariamente normal (noite)

Nos dias de semana os jantares são muito simples, daqueles que se fazem em meia hora enquanto o L. dá a sua dose de colo ao gorducho, como peixe grelhado ou uma salada de massa ou arroz com vinte ingredientes diferentes à mistura (tudo o que apanhar no frigorífico). Quando chamo Peter Pan para ir tomar banho ou chamo os putos para a mesa, já sei que vou ouvir chorinho arrastado (de Peter Pan, não do pai...) "quéo maix Remímu!!!!!!!!!", mas basta distraí-lo com um copo de sumo ou pão com queijo, para conseguir sentá-lo na cadeira dele sem dramas. Depois é ir dando colheradas de sopa enquanto vemos o patinho feio a esconder-se do reflexo na água, ou o lobo mau a tentar comer os porquinhos (como li há uns dias, se é para que ele comer até lhe ponho um ecrã panorâmico à frente...).
Quando o L. não janta connosco e não temos portátil na cozinha, ouvimos música do rádio e comemos do mesmo prato, frente a frente, com Peter Pan muito atento à forma como seguro os talheres, e os gestos que faço para comer. Observa tudo e a seguir imita, despeja metade da sopa para cima das calças, mas tenta e volta a tentar e quer fazer tudo sozinho. Depois pega no garfo e na faca como gente grande, e come sozinho o mesmo que nós, adora peixe (muito mais do que carne) e qualquer tipo de massa. É mais esquisito com a fruta, por ele só comia bananas e uvas, mas também gosta de pêras e papaia (e kiwis bem maduros). Uma vez por outra come uma gelatina (adora), e ao fim de semana um mini-gelado cremoso (ou durante a semana, quando o ar meloso dele a pedir "pódo comê giládu?" se torna irresistivel...).
Enquanto lavamos a loiça Peter Pan anda por ali a brincar, a bater com o "tamata-môcas" onde calha, a pedir papéis para riscar ou os bonecos do frigorífico para pegar na porta do forno. Às vezes canta e bate palmas, outras vezes vai buscar um alguidar, enfia-o na cabeça e diz que tem um chapéu. Depois foge de nós quando anunciamos que é hora de ir dormir, porque sabe que se acabaram as brincadeiras. No quarto dele diminuo um pouco a intensidade da luz, visto-lhe o pijama devagar e falo baixo enquanto lhe dou beijos, ele vem atrás de mim e sobe para o banquinho da casa de banho porque sabe que vai lavar as mãos e os dentes, e logo de seguida corre para a cozinha, ponho-o de pé em cima da mesa e tiro do frigorífico a pomada dos dentes e a a pomada para as picadas, que ele chama "do dó-dói" porque uma vez lhe pusemos um pouco em cima de uma borbulha, e a moda pegou. É o nosso ritual da noite, perguntar-lhe onde tem do-dói, ele aponta para um dedo, depois o outro, depois a bochecha ou a cabeça, e nós fingimos que esfregamos pomada onde ele vai dizendo. Também não nos livramos de levar com pomada, claro, eu na testa (obrigado, L., a ideia de "a mãe tem dó-dói na cabeça" só podia ser tua...), e o pai na verruga (ou lá o que é aquilo...) no dedo mindinho da mão. Só depois é que Peter Pan pega na sua adorada chucha agarrada por um nó à fralda de pano, pede colo e encosta a cabeça no meu ombro, recebe beijos do pai e é levado assim até à sala, enroscado no meu colo. Sento-me no sofá a adormecê-lo, às escuras, enquanto vejo uns dez minutos de qualquer coisa que esteja a passar na televisão e que não implique pensar. Sinto o calor do corpo macio, a respiração a tornar-se mais espaçada à medida que os dedos deixam de escarafunchar os meus lábios e ficam pousados serenamente na minha bochecha. Este é o meu ritual de serenidade, de agradecimento e apaziguação de cada dia. De respirar fundo. Porque sei que amanhã começa tudo outra vez.

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