Ontem foi um dia perfeitamente normal, fui trabalhar, fiz jantar, preparei a roupa para o dia seguinte e deitei-me no sofá perto da meia noite (passei os últimos dois meses e meio de gravidez a dormir no sofá, o único sítio onde tinha uma posição confortável, costas encostadas, uma almofada enorme entre as pernas e uma mais pequena por baixo da barriga). Não estranhei quando acordei à uma da manhã com vontade de fazer xixi, era o pão nosso de cada noite. Mas assim que me sentei e pus os pés no chão, senti. As águas a rebentar. Só tive tempo de ir a correr para a casa de banho. Tirar a roupa toda e passar-me por água. Respirar fundo antes de ir ao quarto. Acordá-lo devagarinho "olha... rebentaram-me as águas... temos de ir para o hospital". Não sei se ele ainda estava a dormir, mas a primeira reacção que teve foi um sorriso de orelha a orelha "a sério?". Depois acordou e o nervoso miudinho tomou conta dele, vestiu-se em dois minutos, o tempo de eu ligar à mãe para ela sair de casa e esperar por nós na rua. Ele já ía a sair porta fora quando o chamei para pegar na mala da maternidade, e os três ou quatro minutos que estivémos à espera que a minha mãe descesse foram para ele uma tortura (acredito que pensou seriamente em ir embora e deixá-la para trás).
Demorámos quarenta minutos a chegar a Leiria, não era o hospital mais próximo, mas sim o que eu tinha escolhido para mim (e o meu maior medo era que tivesse de ir de urgência para o outro, aquele onde passei um dos piores momentos da minha vida, onde passei quatro horas na sala de espera sabendo que estava a perder um sonho, o sonho que estava agora prestes a concretizar). Estava calma, apenas com uma leve sensação de ansiedade no estômago quando entrei nas urgências de Obstetrícia, sala vazia às dez para as duas da manhã, fui chamada passados poucos minutos, primeira observação, e a minha preocupação era só uma: as águas já rebentaram há quase uma hora, o meu filho está bem? Tem líquido suficiente ou vai entrar em sofrimento? Descansaram-me logo, o bebé estava perfeitamente bem, levaram-me para uma sala de partos, vesti a camisa de dormir que tinha trazido comigo, espetaram-me uma agulha no pulso para o soro (esta merda doeu como o raio, e o tubo era tão curto que não podia fazer grandes movimentos com o braço) e deitei-me na maca XL, ligada ao CTG e sem contracções nenhumas. A enfermeira desligou a luz e disse-me para descansar "porque mais logo vai ter um dia violento". Passei as três horas seguintes ora a dormitar, ora a trocar sms's com ele (que se recusou a seguir o conselho da enfermeira e a ir a casa ou dormir umas horas a um hotel. Ele foi dormir para o carro, a minha mãe nem isso, não arredou pé da sala de espera), ora a ouvir os barulhos e apitos da máquina que registava os movimentos do meu filho. De vez em quando uma enfermeira entrava no quarto, ajustava o sensor ou dava-me um chupa-chupa para que o pequeno se mexesse mais. Por volta das quatro da manhã avisaram-me que me íam da oxitocina para acelerar as contracções, e mais tarde (talvez duas horas depois) perguntaram-me se queria epidural. Ora nessa altura as contracções ainda eram tão fracas que cheguei a considerar a hipótese de não levar a anestesia "se isto continuar assim, aguento bem...". Mas a paragem cerebral passou-me rápido, assim que senti duas ou três contracções mais fortes, pedi para chamarem a anestesista, e foi a melhor decisão que tomei. Não foi preciso ninguém segurar-me nas pernas para não esticarem involuntariamente, nem senti nenhuma espécie de choque eléctrico como já tinha ouvido, fiquei muito quietinha em posição fetal, com a respiração muito compassada e superficial, e foi o mesmo que levar uma anestesia num dente.
Mais tarde uma enfermeira veio pedir a primeira roupa do bebé, e preparou tudo na mesa ao lado da maca, perguntou quem era o acompanhante e disse-me logo que ía pô-lo a trabalhar, sería ele a pôr a primeira fralda e a vestir o filho. Nessa altura (por volta das nove da manhã) deixaram-no entrar, e ficámos os dois sozinhos, à espera, ele ía vendo os gráficos no ecrã e tentando adivinhar quando sería a próxima contracção, e dáva-me a mão com força quando me sentia a controlar a respiração, tal como tinha aprendido nas aulas de preparação (para mim foi uma ajuda preciosa, saber tudo o que ía acontecer, todas as fases do parto e o que devia fazer em cada uma delas deixou-me muito mais confiante e segura, e tenho a certeza que foi por isso que consegui manter a calma e ter um parto sem dramas, sem gritos - sempre disse que não queria ir para a maternidade gritar feita histérica - e sem descontrolo).
Nas aulas ensinam-nos que há uma fase em que temos vontade de fazer força, e nessa fase, devemos tocar a campainha para chamar a enfermeira, e só fazemos força depois de se verificar que a dilatação está completa. Fiquei à espera de sentir essa vontade, mas não aconteceu, só tinha umas contracções mais fortes, sim, mas não insuportáveis. Foi a parteira que verificou no monitor dela que já devia estar na hora, entrou de rompante na sala, espreitou e disse que já podia fazer força. Ainda perguntei se podia mesmo, só para confirmar, e comecei a fazer tudo tal como tinha aprendido: encher os pulmões de ar, encostar o queixo ao peito, fazer toda a força do mundo, aguentar o máximo possível, deitar o ar fora e encostar a cabeça para trás, repetir tudo outra vez. A primeira tentativa não correu muito bem "está a fazer força no pescoço, tem de fazer força cá em baixo", as seguintes foram melhorando "já consigo ver os cabelos, não pare de fazer força", "agora vou-lhe fazer um corte, está quase", "vai chamar alguém, vou precisar de ajuda" - esta última frase avivou os meus maiores medos, não, o meu filho não ía nascer com fórcepes nem ventosas, fui buscar forças não sei onde e em poucos segundos "despachei o assunto", a sensação de alívio enquanto ouvia a parteira a dizer "já não é preciso, já não é preciso", e o assombro de ver o meu bebé pela primeira vez, isto é, ver-lhe o rabo arroxeado e ensanguentado quando o colocaram em cima de mim antes de o limparem, e depois... depois ouvi-o. O choro do meu filho (e estou a escrever isto e as lágrimas querem saltar-me dos olhos, porque foi o momento em que caí em mim, em que este sonho se materializou, o nosso filho estava ali, tinha uma voz, uma cara, um corpo pequenino). Olhei para o L. que não largou a minha cabeceira nem por um minuto, que foi o apoio e incentivo que eu precisava, que se portou à altura e acho que até fazia força quando eu fazia também, com a testa dele encostada à minha, que empurrou com o braço dele a minha barriga quando a parteira lhe pediu ajuda, o pai que eu sempre quis para o nosso filho, e vi que ele estava tão comovido como eu, tão maravilhado quando puseram aquele ser enrugado e meio sujo em cima do meu peito e ele ali ficou muito sossegado, com os olhos escuros muito abertos, enquanto lhe dizíamos o tanto que tínhamos esperado por ele.
:')
ResponderEliminarÉ comovente ler as tuas palavras! Muito muitos Parabéns!!!:) beijinhos
ResponderEliminarSe eu fiquei com os olhos em lágrimas ao ler-te imagino os teus aos escreveres isto! Não consigo dizer muito excepto um 'parabéns' tão sentido que secalhar só estando dentro do meu coração saberias o verdadeiro que é.
ResponderEliminarÉ estranho isto da blogosfera, sentir que se conhece as pessoas, sentir os seus medos, perdas e frustrações e senti-las como nossas. O bom disto é que o mesmo se passa com as coisas boas da vida. E neste momento fico mesmo feliz por vocês!