Nunca pensei que o estado de emergência fosse prolongar-se tanto, nunca me passou pela cabeça que as escolas não voltassem a abrir este ano letivo, não fazia ideia que ía assistir a uma contagem diária de mortos e infetados, angustiante e sem fim à vista. Na mais pura ingenuidade, não imaginava que isto fosse possível.
A vida está em suspenso. Alguém carregou no botão de pausa e o mundo parou. Parece um filme em que olho em redor e vejo tudo estático à minha volta. Ou a cena inicial do Vanilla Sky, que não me saiu da cabeça nas poucas vezes em que peguei no carro.
Nas primeiras semanas de isolamento em casa sentia-me anestesiada. Passei um domingo inteiro deitada no sofá a ver cinco filmes do Velocidade Furiosa de enfiada, para não pensar em mais nada. Trabalhava de manhã, enervava-me a acompanhar os trabalhos da escola do P. à tarde, voltava a trabalhar à noite. Por incrível que pareça, os dias passavam a correr. E chegava à noite exausta. O silêncio da rua tornou-se opressivo. Sentia-me num estado de ansiedade permanente que chegou ao ponto das náuseas. Tinha de fazer alguma coisa. Fiz tudo. Comecei com Valdisperts e acabei a limpar tudo o que era humanamente possível em casa, desde lavar janelas e estores e pintar paredes, a escovar as juntas dos ladrilhos das varandas; desde encharcar as portas e armários com óleo de cedro e mudar os móveis do quarto do puto de um lado para o outro, a partir o cabo da esfregona de tanto lavar o chão. Desconfio que até deitei fora coisas que precisava.
"Clean your home, clear your mind". A sensação de controlo devolveu-me a serenidade. A aceitação fez o resto. Tomar consciência de que os próximos três meses serão passados em casa, a acumular o meu trabalho com a função de professora, obrigou-me a repensar as rotinas mas também o que quero para este período forçado, e o que posso fazer para que no futuro, possa(mos) recordá-lo da melhor forma possível: estar com Peter Pan, dar-lhe a minha atenção e o meu tempo, ensiná-lo e ouvi-lo, deixá-lo brincar e aborrecer-se, fortalecer de uma forma única e inesperada os laços que nos ligam e uma cumplicidade que vai crescendo entre quatro paredes.
Continuo a trabalhar de manhã, a acompanhar os trabalhos da escola do P. à tarde, a voltar a trabalhar à noite. Os dias passam a correr. Mas já não me sinto ansiosa e exausta. E a expetativa de que este estado de reclusão imposto esteja quase a terminar torna estes dias um pouco mais leves. Já falta pouco. Não para voltarmos à vida que tínhamos, essa só será possível daqui a um ano ou mais. Neste momento só sonho em ir buscar sushi (para comer em casa). E fazer uma caminhada com o P. e poder jogar à bola com ele no jardim (depois de acabarmos os trabalhos da escola).
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