segunda-feira, 20 de junho de 2011

Fazer filmes

Aproximo-me do balcão de atendimento e espero pacientemente que a funcionária pública (chefe de sessão, pela forma como fala com as restantes pessoas que respiram naquele espaço) acabe de berrar com o colega porque ele está “demasiado acelerado”, e a pressão está a deixá-la nervosa (compreende-se, é segunda feira, são dez da manhã, ainda é muito cedo…). A senhora dá-se conta da minha existência e pergunta (com um sorriso, sejamos justos…) o que desejo. Peço o registo criminal para concessão de visto no passaporte. A senhora senta-se na sua secretária decorada com pastas arquivadoras de padrão colorido com flores desenhadas (um pouco de cor para alegrar o espírito), digita o numero do meu BI (sou uma ave rara, ainda não tenho aquilo a que chamam CU);

[vejo-a fixar o ecrã, primeiro despreocupadamente, depois com mais atenção, os olhos presos às letras que vão surgindo em catadupa, as pupilas a dilatar, a face a empalidecer à medida que lê sem querer acreditar: rapto, burla agravada, assalto à mão armada (mas com estilo, do género Thelma & Louise), tentativa de duplo homicídio, procurada em 3 continentes…
Fita-me de relance com um misto de pavor e incredulidade, sem saber o que fazer, pega no telefone mas não sabe de cor o nº da polícia, pousa novamente o auscultador, abre a boca para chamar uma colega, alguém que a acuda, mas a voz não sai, um grito mudo abafado pelo medo paralisador e pelo espanto, acima de tudo pelo espanto, como é possível que aquela mulher de aspecto angelical, túnica de alças verde seco com um discreto folho, calças de linho brancas e sandálias de salto alto, o cabelo loiro impecavelmente esticado e o gloss rosa brilhante (imagem a imortalizar em fotografias tipo passe), fosse capaz de tamanhas atrocidades?, “não, não pode ser, não quero acreditar”… enquanto lhe pergunto com um leve sorriso irónico “Está tudo bem?”]

e regressa em dois minutos com uma simples folha de papel carimbada com um selo branco, que anuncia oficialmente: NADA CONSTA ACERCA DA PESSOA ACIMA IDENTIFICADA.

(Pronto, fiquei mais descansada)

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